23/06/2025 às 15:57

Um olhar sobre as Masculinidades: Oficina de fotografia com jovens em Medida Socioeducativa na Grande Florianópolis

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Com convite da assistente social e da psicóloga da unidade, realizamos nos dias 15 e 29 de abril de 2025, das 14h às 16h, uma oficina de fotografia para onze pessoas dentro da Medida Socioeducativa de São José. A Medida Socioeducativa e os Centros Socioeducativos são respostas do Estado à jovens que cometem atos infracionais e a sua aplicação tem como objetivo a reinserção social do jovem na sociedade, contendo as modalidades de reclusão integral, parcial e assistida, assistiva e serviços comunitários. E, nesta situação era de medida assistiva, somente cumprindo horas. Todos os onze jovens atendidos foram homens, de 14 à 19 anos, sendo cinco que se declaram negros, quatro brancos e dois jovens não informaram, segundo dados da Medida Socioeducativa.

Bastidores da oficina. Foto: Ângela Reck | Projeto Além das Lentes.

O primeiro encontro foi para dinâmica de apresentação, onde os educandos escreveram sobre seus gostos pessoais e depois fizeram um desenho em grupo com a ideia de trabalhar o entendimento individual e o trabalhar em equipe. Eles tiveram contato com a técnica da fotografia através de registros clicados por Ângela Reck pelo Além das Lentes e, finalizamos a tarde, introduzindo o assunto sobre "Masculinidades". Essa introdução inicial partiu da série fotográfica “Dias Com Meu Pai”, clicada pelo fotógrafo britânico que vive e trabalha na cidade de Nova York, Phillip Toledano. A série acompanha a rotina e a saúde mental debilitada do pai de Philip, e ele relata que a motivação dos registros começou após a morte de sua mãe, em 2006: 

“Depois que ela morreu, percebi o quanto ela estava me protegendo do estado mental do meu pai. Ele não tem Alzheimer, mas não tem memória de curto prazo e está frequentemente perdido. Levei-o ao funeral da minha mãe e ao enterro, mas, quando chegamos em casa, ele me perguntava a cada 15 minutos onde minha mãe estava. Eu explicava cuidadosamente que ela havia morrido e que tínhamos ido ao funeral dela”.
Registro de Phillip Toledano para a série "Dias Com Meu Pai".

No segundo e último encontro, as atividades foram desenvolvidas todas ao redor do tema, com dinâmicas de análise de fotografias, exemplos de referências de outras séries fotográficas e audiovisuais de diferentes linguagens, como a série “Adolescência”, disponível na Netflix, e o vídeo no formato “reels” de Ana Terra. Os educandos participaram bastante e foram bem intenso, com frases como “tem mulher que gosta de apanhar”, “acreditam na mulher e não no homem”, “minha mãe e minha madrasta apanharam de meu pai, hoje não falo com ele”, “psicológico abalado e sem apoio financeiro”. Encaminhamos a atividade para os finalmentes com a prática fotográfica, exibição no projetor dos registros fotográficos realizados e debate final sobre as escolhas para as séries. 

Bastidores da oficina. Foto: Ângela Reck | Projeto Além das Lentes.

Quando estávamos pensando na metodologia pedagógica da oficina, pesquisamos no Google sobre o que seria masculinidade para entender o que a sociedade tem como base de referência e, assustadas com o resultado, pesquisamos sobre feminilidade. A percepção da sociedade brasileira sobre masculinidade e feminilidade são temas complexos e em constante transformação, influenciados por fatores culturais, sociais e históricos. Ainda é forte a influência de um modelo hegemônico de masculinidade, que associa o ser homem a características como força física e emocional, repressão de sentimentos para não demonstrar fraqueza ou vulnerabilidade, serem provedores, controle e dominância, e heterossexualidade compulsória. Segundo a pesquisa "Masculinidade hegemônica: repensando o conceito", de Robert W. Connell e James W. Messerschmidt, no que tange aos custos e às consequências, pesquisas em criminologia mostraram como padrões particulares de agressão eram ligados com a masculinidade hegemônica, não como um efeito mecânico do qual ela fosse a causa, mas através da busca pela hegemonia. Esse modelo tradicional, embora ainda presente, tem sido cada vez mais questionado, especialmente em virtude de suas consequências na violência de gênero e a dificuldade de homens em buscar ajuda psicológica. De modo geral, observa-se uma tensão entre modelos tradicionais e novas configurações de masculinidade, impulsionadas por movimentos sociais, discussões sobre igualdade de gênero e a própria redefinição de papéis na sociedade contemporânea.

O papel da oficina de fotografia do Além das Lentes com esse tema é justamente questionar esse modelo tradicional e propor reflexão com a tentativa de que os jovens vejam com novo olhar sobre seus corpos e mentes perante a sociedade e suas consequências. As referências e as reflexões apresentadas durante os dois encontros geraram participações ativas com opiniões pessoais dialogando com o grupo e com os estudos realizados por eles, mas mesmo apresentando que violência gera mais violência, os resultados fotográficos, em sua maioria, apresentaram violência. Pensando como estudo de caso, um grupo registrou fotografias pensadas em exercícios físicos enquanto dois grupos pensaram em registros voltados para violência policial e agressão física.

Resultado do grupo 01. Fotografia de Aluno | Projeto Além das Lentes

Esse resultado, longe de ser bom ou ruim, serve como um indicador da urgência e relevância de ações continuadas que questionem, e o ato dos educandos de retratar exercícios físicos apontam para a possibilidade de outras expressões. A oficina ofereceu uma ferramenta de expressão artística, mas também se configurou como um diagnóstico sensível da realidade vivida por esses jovens, revelando o impacto das pressões sociais e culturais na formação de suas identidades. Precisamos continuar criando mais oportunidades para que esses adolescentes possam verdadeiramente visualizar e construir um futuro que possa quebrar os ciclos de violência e que tenha modelos mais saudáveis e plurais de ser homem.

23 Jun 2025

Um olhar sobre as Masculinidades: Oficina de fotografia com jovens em Medida Socioeducativa na Grande Florianópolis

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