16/01/2021 às 02:53

Amazonas

249
5min de leitura

Falar do Amazonas sem falar em intensidade é ocultar informações. Nosso primeiro contato foi em 2017, quando fui conhecer a Vila Monteiro e dessa ida surgiu o primeiro episódio da nossa Série Documental Além das Lentes. Houve sentimentos que não acredito que consegui sentir e que até hoje não consigo explicar. 

- SAUDADE SÓ É BOA PARA QUEM SABE SENTIR - 

_____________________________________________________________________________

No Amazonas passamos por poucas mansões, apenas nas cidades mais centrais - na maioria foram vistas casas simples e flutuantes - casas sob o rio que balançam lentamente, diferentes da velocidade da água. Algumas casas haviam frestas entre as madeiras e a luz do sol que tocava a gente como um abraço quente - outras o sol era substituído pelo ar condicionado que acalmava nossas ideias no quarto que nos recebeu e jamais  ficou ausente - deitei, aceitei e recebi o que era pra mim. 

A feira do Amazonas é dividida em duas categorias no mesmo espaço: a que tem cheiro de peixe e a que tem cheiro de coentro - você não pode ir embora sem comer o Tambaqui, já considero um dos meus peixes favoritos - não estou comendo carnes, mas até parar de vez estou provando comidas típicas e não me arrependo disso. A minha alimentação girou em torno de tudo que eu podia buscar na feira: de tapioca e açaí - a tapioca em padarias custa R$ 3,00 e é recheada de ovo e muito queijo, o litro  do açaí custa R$ 5,00. Não posso deixar de fora os famosos "dindin" - que é como se fosse um geladinho/sacolé feito de frutas - eu provei de cupuaçu e foi um caminho sem volta, não conseguia consumir outro porque queria aproveitar aquela gostosura. As farinhadas eram de todos os tipos e gostos, incrível como do mesmo produto, mudando apenas o tempo do mesmo preparo como podem surgir diferentes tipos de farinha de mandioca e no mesmo dia que provei o tambaqui eu consumi uma farinha denominada "ovinha", preparada com vinagrete - JÁ POSSO VOLTAR, DEU ATÉ FOME AGORA. No Amazonas até a raiz é aproveitada, provamos uma cachaça produzida com a raiz do açaí e mais tarde provamos de jambu - treme treme meus amores.  

Itacoatiara foi nosso segundo contato com o estado, em 2019. A nossa ida era para ter sido em fevereiro e chegamos somente em abril, depois da ida para Roraima - se tivesse dado certo de primeira a nossa ida para lá, provavelmente o nosso projeto não estivesse mais ativo hoje em dia. Fui trocar as atividades do projeto por pouso, mas minha estadia foi resumida em limpar o espaço e estudando possibilidades para a escola estar ativa por mais tempo, principalmente na questão de segurança. A escola só tem movimento no período em que tem voluntário, outros momentos ela fica fechada, isso acabou não tendo uma regularidade das crianças e contato zero de adolescentes. Outro contratempo é que conheci uma rua muito preconceituosa e machista, em alguns casos tive que me trancar na escola por problemas alcoólicos de dois vizinhos. 

Seria muita hipocrisia da minha parte em falar somente das coisas ruins - pouco reclamar e muito agradecer. Participei da melhor festa de aniversário - foi no meio da rua mesmo, com bolo feito em casa de dois sabores misturados e usando a mesa do jogo de dominó da família - jogo esse que que até hoje não consigo entender, não é o tradicional. Acompanhei a dona Maria queimando o café que eles plantam apenas para consumo da família e fui convidada para almoçar com eles - fui levada para comprar as coisas de moto sem capacete. No percurso eu sentia o vento no rosto e com ele uma sensação de liberdade misturada na felicidade das coisas diferentes - quando foi a última vez que você saiu e deixou ser livre? Nesse mesmo percurso conheci um bairro que vive sob e sobre as águas - os pescadores que me contaram sobre a sua vida sem um saneamento básico e seus mitos sobre a pescaria.

Fiz uma exibição de cinema e resolvi que iria embora antes do tempo - fui acolhida pela Jussara, que de alguma forma encasquetei que o nome dela era Jussiara. Quando eu estava saindo da escola eu pude conhecer uma Itacoatiara melhor, estava querendo um pouco mais de calma e nem sabia o paraíso que me aguardava. A Jussara me acolheu como parte da família, deixou um quartinho cheiroso me esperando e uma máquina para lavar as minhas roupas - parecia que estava impregnado em mim o cheiro da escola. Resolvi que iria estender a minha estadia por lá em mais um dia, assim iriamos para um passeio. ERA SOL, AMIZADE E BOAS RISADAS QUE ME FALTAVAM.

"Mesmo quando tudo pede um pouco mais de calma, até quando o corpo pede um pouco mais de alma... A vida não para! 

Enquanto o tempo acelera e pede pressa eu me recuso faço hora vou na valsa... A vida tão rara!". Lenine - Paciência.

Fui para Manaus aceitando que poderia acontecer a mesma situação de Brasília, de ter que dormir na rodoviária. Enquanto estava na rodoviária fui ligando para os hostels para trocar trabalho por pouso e todos falaram que estavam cheios, mas um deles me passou o contato da Gabriela - dona do Espaço Cultural Curupira Mãe do Mato. O Luiz me passou o contato da Ana - amiga dele que reside em Manaus, e fui dormir na casa dela. Gabriela marcou uma conversa para o outro dia e no mesmo já estava levando as minhas coisas e indo para o meu quarto no Curupira - ali troquei trabalho com fotografias dos eventos por pouso.

Gabriela foi uma daquelas mãezonas, que inclusive puxou a minha orelha falando que eu trabalhava demais e que precisava viver também - no outro dia fomos nadar no Tarumã. Imagina comigo: estava nadando no rio, escutando apenas a natureza e de vez em quando um avião que passava sobre as nossas cabeças - quer mais? Passou pela gente uma chuva de verão, daquelas que passam com força, mas que logo vão embora deixando apenas o cheirinho de terra molhada - mesmo um pouco afastada da beira eu podia sentir. Voltamos de barco já era noite e percebi que viajar de moto sem capacete foi a coisa mais segura que eu tinha feito. No último dia meu ali a Gabi fez uma janta, hambúrguer de shimeji pra mim e um normal pra ela, regados de um bom vinho - será que ela não quer me adotar? Saí, mas com aquele gostinho de que a minha casa era ali e que eu tinha muito ainda para viver - desde então estou tentando voltar. 

16 Jan 2021

Amazonas

Comentar
Facebook
WhatsApp
LinkedIn
Twitter
Copiar URL
Olá, em que podemos ajudar? Sinta-se a vontade em me chamar no Whats.
Logo do Whatsapp