Em mais um momento de descoberta de vulnerabilidade minha, entendi que escrever aliviava e a partir disso comecei pegar o meu caderno, meu coelho, minha playlist musical e ir para o mato. Lá eu escrevia sobre as possibilidades, desabafava sobre o momento que eu estava passando com a minha avó e reescrevia o meu projeto cultural.
Tinha muito erro no caderno e a parte visual dele me incomodava, foi então que eu transcrevi boa parte dele para o meu "caderno criativo": um caderno que ganhei do governo na época da escola, encapei com papel adesivo que sobrou da parede do apartamento que eu morava em Chapecó - SC. Dei esse nome porque ele não é um diário, não é um álbum de fotografia e não é um caderno de desenho, ele é tudo isso junto. Nunca havia mostrado para ninguém meu caderno, mesmo sempre estando comigo. Até que um casal de viajantes me questionou sobre como eu montava meus documentários e para eles em São Paulo resolvi apresentar meu caderno com seus detalhes pessoais e marcas de uma rara tentativa de tomar café.
Quando cheguei com o projeto em Roraima passei por algumas etapas importantes: conhecer o meu entorno, aceitar a realidade, entender os meus obstáculos e então organizar o cronograma metodológico. De inicio fiquei assustada por vários motivos: não sei a língua Taurepan, meu espanhol é escasso, a comunidade não tem energia para eu mostrar as fotos dos outros lugares e nem sala de aula com mesas eu teria. Cheguei no abrigo do exército que eu estava instalada e pensei: como posso ensinar algo para 50 alunos por turma e que eles possam guardar para eles, além da imaginação e aprendizado? Peguei meu caderno, comecei a ler as minhas anotações e pensei, é isso, vou fazer o caderno com eles. No cronograma metodológico que eu fazia já havia escrita, desenho, anotações e fotos, o que eu fiz foi só juntar tudo na ordem e deixar a criatividade fluir.
Começamos com a apresentação com escritas sobre gostos pessoais. Entendemos que a partir do momento que você sabe o que gosta e encontra-se naquilo, você consegue uma vivência melhor e assim ajudando ainda mais outras pessoas. É um trabalho de formiga. O nosso trabalho de formiga vêm desde o nosso estudo, as nossas práticas e até mesmo o resultado da cultura como educação. Muito além de tudo isso, tem os alunos: maioria deles nunca tiveram acesso a uma câmera e muitos não sabem nem escrever ou ler. Em 2017, o IBGE compartilhou que 7% da população acima de 15 anos não são alfabetizadas. Nas práticas entendemos que é muito além do governo ou de suas iniciativas no gerenciamento do orçamento, mas sim nós como sociedade oportunizando espaços para pessoas que nem energia não têm em casa. Na corrida contra quem tem acesso, quem realmente ganha nisso tudo?
Na segunda aula segue a mesma ideia do pessoal, o desafio é escrever um objeto, um espaço pessoal, um espaço compartilhado e uma pessoa que gosta e explicar os motivos. A partir do que escreveram, eles precisam fotografar. Nas próximas aulas os desafios vão aumentando e transformando a fotografia deles, mas principalmente o olhar sobre a vida que estão levando. Não queremos apenas profissionalizar essas pessoas, queremos mostrar novas oportunidades, protagonismo e novas lembranças, essas que quando não estivermos mais na comunidade vão poder ter em mãos. Alguns resultados:
Essa técnica não é uma vivência só minha, por exemplo, a minha mãe tinha esse costume de escrever e é através do diário dela que conhecemos um pouco sobre como ela era ainda em vida. Foi a partir da escrita que também conhecemos o Cirilo, nosso poeta de 70 anos que é refugiado da Venezuela no Brasil. Todo mês ele compõe um poema para a sua amada esposa que faleceu. Quem não acredita na cultura como educação me chama para conversar e deixo uma pergunta no ar:
Qual é a sua válvula de escape?
Texto por Ângela Reck.