Para Ângela
Sobre Ângela...
No meio de tantas informações que a vida moderna nos submete, nossos olhos parecem adquirir uma certa preguiça para refletir profundamente questões humanas, tecnológicas, biológicas... Enfim, tudo o que diz respeito a nossa existência. Ficando muito fácil se instalar uma sensação de segurança, mas não se sente verdade. Eu estava assim... Confesso com um pouquinho de vergonha e confesso que quando fui convidado para conhecer o projeto "alemdaslentes" não me prestei a ir porque um fiozinho de preguiça estava no ar... "É longe... É seu único dia de folga..." esses pensamentos colidiam com uma pequena curiosidade que senti dentro de mim o que fez com que minha mente procrastinasse a decisão até que na noite anterior do projeto resolvi passar o olho no informativo que me enviaram sobre o evento, o olhar de um garotinho negro me chamou a atenção: olhos tristes e penetrantes... Olhei nos olhos desse menino por longos minutos e ele pareceu me dizer alguma coisa que naquele momento não entendi.
Num impulso mandei mensagem para Ângela lhe pedindo se ainda podia participar. Sim, estava tudo certo para amanhã... Fui. Meu primeiro estranhamento foi que a Ângela me recepcionou com um abraço muito verdadeiro, desses que trocamos com amigos que conhecemos a muitos anos... Porém era a primeira vez que eu estava vendo aquela pessoa... Mas ok. Eu é que vivo trabalhando e esqueço que seres humanos demostram emoções. Segundo estranhamento: ela não estava enlouquecida com metas e horários, (já organizei eventos, já participei de muitos eventos e se tem uma coisa que certa é que juntar pessoas pode frouxar alguns parafusos). Ela nos conduziu ao local na maior das tranquilidades, passando confiança e deixando todos muito aconchegados. Esse conforto gerou um terceiro estranhamento: as pessoas falaram coisas muito pessoais de suas vidas! Estando seguras para ser quem são. Ué! Não deveria ser assim todo dia?
Nos deram folhas em branco e nessa folha tínhamos que responder sobre músicas, projeções para o futuro, sonhos... Percebi que minha mente cheia de preocupações não tinha tempo para pensar coisas importantes sobre mim. Vida moderna: muita informação, pouca reflexão. Logo eu? Que parecia saber tanto sobre tudo. Essa dinâmica despertou várias versões de mim, aliás, estava vivendo todas as versões de mim tanto as que já se foram, as que eu tinha esquecido, as que chegaram a pouco tempo e até aquelas que ainda estão em processo de amadurecimento e estão por vir. Porém me senti conectado com cada uma daquelas pessoas: suas histórias, trejeitos e até a camada mais profunda do inconsciente que trás a tona. Misticismo de cada um.
Em um dado momento Ângela nos mostrou uma fotografia que mudou sua vida: uma senhora um tanto sombria e com um sorriso tão misterioso quanto o de Monalisa. Um sorriso espontâneo que não se sabe ao certo o porquê daquele sorriso. Na hora eu não soube dizer em palavras mas senti dentro de mim que aquela pessoa recebeu um olhar verdadeiro. Assim como o menino que me intrigou com seu olhar triste... Agora ele entendi que ele quis me avisar que da importância de enxergar aqueles que a sociedade tornam invisíveis.
"Se puderes olhar, vê... Se puderes ver, repara..." (José Saramago).
Grandes verdades são escondidas em pequenos detalhes! Olhar pessoas, lugares, cores e formas é inerente ao ser humano mas reconhecer significados em atividades do dia a dia é uma sensibilidade que precisa ser reconhecida... E quando alguém te mostra como fazer isso sem dizer uma única palavra, escreve-se uma nota de agradecimento para essa pessoa. Obrigado, Ângela.